terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A Cozinha Maravilhosa de Dona Margarida

Eram tempos difíceis no rancho de Dona Margarida. Já estavam vendendo o almoço para pagar a janta. Desde que seu Antonio, finado marido, falecera, era difícil arrumar sustento para Henrique e Mariana, filhos que amava com apreço. Estavam já pele e osso e choravam de fome escondidos para não agravar a dor de Dona Margarida.

Eles não davam nenhum trabalho. Eram verdadeiros doces suculentos de abóbora, como ela costumava dizer aos conhecidos quando se referia a eles. Já não os chamava assim porque poderia fazê-los passar vontade de doce de abóbora. Além do mais não tinha mais pra quem se gabar dos filhos, pois os conhecidos se tornaram desconhecidos após o óbito de Seu Antonio. Os poucos animais que criavam para a falta de alimento, no caso de algum imprevisto, já não restavam-lhe nem os ossos. Até Marco Antonio, o vira-lata tinha virado ensopado.

Um dia inteiro de fome incomodava Dona Margarida. Henrique e Mariana não diziam nada para poupar energias. Naquela manhã nublada e triste de natal, que mais parecia de velório, Dona Margarida pegou o facão de cortar cana e decepou a cabeça de Henrique que não teve tempo para reação. Pôs a água pra ferver com o resto de sal e cenoura picada. Escondeu o corpo embaixo da cama e jogou a cabeça de Henrique na panela. Cozinhou por três horas. Na hora de servir a mesa, pensou com razão, que Mariana estranharia comer a cabeça do irmão. Então quando Mariana, mesmo fraca pela fome, sorridente adentrou a cozinha inquirindo sobre o que tinha para o almoço, Dona Margarida não sabia o que dizer.

- É surpresa, Mariana.

Dona Margarida destampou a panela para provar a sopa e Henrique olhava para ela. Ela sentiu remorso e quando Mariana se ajeitava na mesa, jogou a cabeça no quintal. Lá do quintal, Henrique ainda a fitava. Dona Margarida fechou a cortina perturbada e foi com a panela em direção até a mesa.

- É sopa de cenoura.

Mariana perguntou sobre o irmão e Dona Margarida aos prantos disse que ele estava brincando de comidinha com os urubus no quintal.

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