sábado, 20 de fevereiro de 2010

Relatos de Um Fã Nato de Uma Banda Desconhecida

De acordo com a constituição de 1988, era crime o que ele fazia. Um viciado que emprestava a casa para os outros, que não tinham onde fumar, em troca de fumar. Isso incluia pessoas de todas as castas, idades, sexualidades, cores, raças, índoles, procedimentos, infâncias e etc, independente do que iriam fumar.
Pelo corpo maltratado pelo sol e pela subnutrição, jaziam tatuagens e cicatrizes. Cicatrizes em maior número. As tatuagens, dizia ele com orgulho, simbolizavam os acontecimentos que não deixaram marcas físicas.

No braço esquerdo:

Um coração com uma flecha atravessada que mais parecia uma rasura em cima de uma hérnia atropelada pelo tempo, e as seguintes inscrições:
- Tião e Marli Amor Só De Mãe

No braço direito:

Uma rosa que parecia uma margarida no inverno e a seguinte inscrição:
- Maria foi Bom Você Sabe Quem

No torax:

Uma Coruja Branca sem inscrição alguma.

Na testa:

O desenho de uma faca introduzida.

No peito:

Três desenhos de buracos de bala.

Mas nessas idas e vindas de viciados, entrou na casa dele um cara bom. Compositor local, viciado e vagabundo que trabalhava. Foi o único que notara o relógio sem ponteiro com uma pintura do chaplin e uma inscrição impossível de se ler naquele estado, mas que representava o relógio que não podia simplesmente marcar o tempo. Ele o convidara para assistir uma apresentação de sua banda desconhecida, num bar burguês. Um festival com regras e tudo, mas que nenhum membro da banda se preocupara em ler nem se quer o nome do bar.

Lá estava presente a imprensa local, ou seja, um câmera que mordia a ponta do nariz. O bar não estava preparado para a invasão da plebe, mas lá se misturaram em harmonia caótica todas as castas e blá blá blá. Nunca o bar teve uma superlotação como aquela, o que fez o dono do bar pensar que a banda tinha muitos amigos.

Nisso, ele, estava com medo de adentrar o recinto. Já não se considerava justo desde o dia em que matara um homem por surrar sua filha cega. Era um ser que simplesmente não se sentia à vontade no mundo. E entrar ali lhe causava visões de sair sendo chutado por chimpanzés de terno.

As regras do festival eram;
- Uma música própria e dez covers.

A banda desconhecida que superlotou o bar, tocou uma cover e dez próprias. Ele entrou esbarrando em todo mundo com cinco centavos no bolso scaneando a área à procura de um rosto familiar. Olhou o cara que tocava guitarra, sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e vestiu-lhe um chapéu semelhante ao do seu madruga. Depois esperou o fim da terceira canção para pedir as coisas. Antes que a música acabasse, havia uma pausa na guitarra, instante em que o compositor, aproveitou para jogar o chapéu fora. E acreditem ou não, o chapéu caiu na cabeça dele. Foi simplesmente mágico.

Acabada a terceira canção ele pediu conhaque, cigarro e uma camiseta pra banda. Disseram-lhe que não tinham camisetas, exceto as do corpo, mas ele insistiu. Banda que não tem camiseta pra dar aos fãs, não é banda.

Por frações imperceptíveis de tempo, todos os burgueses esqueceram-se de que eram burgueses, o proletariado esqueceu-se que era o proletariado, os miseráveis esqueceram-se da fome de suas crianças e os empresários esqueceram-se de ganhar dinheiro. Foi uma espécie de trégua na luta de classes. O dono do bar esqueceu-se do lucro e distribuiu cerveja coletiva. Os inrustidos se assumiram. Ele se sentiu em casa e foi o melhor dia da sua vida, antes de se jogar no rio e unir-se ao vale dos suicídas.

A realidade retornou e a polícia estava lá, com meia hora de atraso. Batendo em todo mundo tentando evitar um suicídio coletivo, nem que pra isso tivessem que matar todo mundo de porrada. O bar faliu em uma semana após o festival. Eu fiquei devendo três cervejas e um conhaque.

Um comentário:

  1. viver por viver
    morrer por viver

    e cleo
    quando vc voltar
    feche as janelas
    apague a luz
    e saiba que te amo

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