segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Filho de Um Feto

12:27. O sol está bem no meio do céu e é verão. Vegetação escassae casas de tijolos baianos descobertos. Várias casas. Na verdade um amontoado de casas que lembravam uma favela sem morro. As pessoas que montam a paisagem são encardidas de sol, com peles oleosas e sorrisos desdentados. A melancolia reina por entre a poeira da rua sem asfalto e as crianças catarrentas brincam de futebol descalços com uma bola murcha. Vila Nova de Areia é o nome deste lugar. Afastado, atrasado e esquecido pelo resto da humanidade. Parece não haver muita coisa pra se fazer lá e as pessoas não parecem incomodadas com isso. Apesar da inquietação de seus olhares e da falta de paciência, parecem não se importar em perder o dia todo, sentados na porta da rua falando sobre nada, exalando odores e cuspindo restos de arroz por entre os dentes. Pela falta de água, banho duas vezespor mês. No inverno não se toma banho. Filho sim! Como fazem! Dizia alenda que a mãe de Juca nascera grávida dele. Juca era sete meses e meiomais novo que a mãe. Ela morrera no parto era o que diziam. Isso era estranho para um menino. Como não acontecia nada que pudesse chamar a atenção de um cavalo, Juca era o assunto. Juca era famoso. Todos falavam das lendas, faziam piadas e depois iam embora. Juca até que gostava. No começo. Já sepassara um mês. Juca estava enlouquecendo, cansou de ser famoso. E não acontecia nada. E era verão! E a paisagem! Juca avança em direção à sua casa e parece não estar consciente... as pessoas se aglomeram, puxa vida!seria agora? depois de um mês... antes de conseguir tocar o portão, Jucacai e fica paralisado. A população inteira se aglomera com olhos arregalados, uns comendo pedaços de pão velho, outros chupando manga, outros roendo unhas, o resto tirava piolhos da cabeça dos filhos... Era agora. Agora, agora, agora. Agora é passado. Um garotinhobarrigudo com as costelas à mostra, se abaixa para ajudar Juca e antes que consiga levantar o braço, é atingido com um chute nas costas... elecai e olha pra trás... era um menino um pouco maior com bigodinho até...ele resmunga e o que parecia querer era que deixasse Juca morrer... puxa, um mês é foda! Os dois meninos se cobrem de socos e os adultos olham e não deixam que ninguém entre. Deixem-os, são do mesmo tamanho... Surge no meio da rua um cabeçudinho gritando e acenando pra dentrode sua casa: - Olhem! O Feitiço está morrendo! O portão se abre e um cachorro grande e magro, magro mesmo, muitomagro e com sarna avançada, parte em disparada numa tentativa vã de fugir da fadiga. Cambaleou quatro vezes e meia antes de cair. Tinha sarna até nobranco do olho que agora era vermelho... Estrebuxa e geme... geme e vomita... as pessoas se aglomeram e pensam: - depois de um mês! Puxa vida!Feitiço se lembra da última cadela em que grudou e morre, mas sua perna ainda continua a tremer por alguns instantes. Meia hora depois, o cachorro foi enterrado e as pessoas foram se se dispersando... desaglomerando... O sol foi se escondendo e cada um foipro seu barraco comer sua ração e peidar antes de dormir. 00:15. Lua cheia, poucas nuvens e brisa leve. Claro que ninguém nota porque todos estão dentro de casa inconscientemente cuidando da manutenção da espécie. Parecia uma noite comum, se não fosse uma sensaçãode vazio. Ninguém conseguia dormir, parecia que tinham perdido algo... Juca! Era isso! Na confusão se esqueceram dele... Juca! Gritavame saiam pra rua... Todos voltaram pra casa de Juca e ele não estava lá.Procuraram a noite toda. Juca nunca mais foi visto. As pessoas começarama enlouquecer. Escreveram um livro sobre ele. Agora ele era adorado e diziam que ele iria voltar pra levar os bons. Foi a perdição e agoraimagine o que aconteceu depois... Depois de conhecer essa história, enlouqueci, sinto um espaçozinho vazio e sempre me pergunto: - Pra onde foi esse filho de um feto?

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