quarta-feira, 14 de abril de 2010

Encontro Com O Desconhecido

- E aí, meu velho!?
- Quê foi? não se lembra de mim!?
- Eu sou o Roberto! O Betão! Eu morava na Vila Sibila, ao lado do Cemitério dos Índios, três casas da sua. A gente já tomou muita breja juntos.
- Lembra daquele carnaval em que a gente foi de ligeiro? Passamos na cerâmica do Peripato e rolamos nas paredes das chaminés para parecermos sujos? Quase morremos surrados na versão satânica do Bumba Meu Boi... acabamos no hospital para tomar glicose e você sem conseguir parar em pé, disse para a enfermeira: " - Você vem sempre aqui? Ela respondeu: - Eu trabalho aqui, idiota!"...
- Bons tempos aqueles...
- Sei porque não se lembra de mim. Faz tanto tempo. Não sei mais contar o tempo.
- Só me lembro que uma semana antes de não sei quando, economizei na cerveja e na pinga para comprar o ingresso do Clube. Quem sabe não conheceria o amor da minha vida? Ela podia ter um dente só na boca, até mesmo porque minha carcacinha já não andava boa, aliás, nunca fora. Bastava ela querer me dar filhos horrendos e cuidar da casa.
- Eu já morava ali fazia trinta e dois anos. Já me sentia em casa. Andava tranquilo sem medo de nada. Ia à caminho do baile ensaiando minhas melhores cantadas...
- Você vem sempre aqui?... Eu te conheço de algum lugar... você estudou na Unicamp?... Eu sou compositor Ferreirense.. Por você eu largo tudo, até da pinga ( mentira exagerada)... Vai demorar muito pra você entrar no sio?... Quero ter sete filhos com você... imagina, um monte de drogadinho brigando por causa da lata... correndo pela casa, vendendo tudo, fazendo arruaça pelas ruas, a polícia todo dia em casa, o paraíso...
- Ou seja, eu ia ensimesmado, absorto em pensamentos e planos maravilhosos que nunca iria realizar.
- Um moleque com o uniforme da Pedrina, me parou e me pediu dinheiro. Eu disse que não tinha. Ele suava e girava o pescoço a trezentos e sessenta graus com medo de que alguma coisa o estivesse vigiando. Fiquei com medo dele. Ele sacou uma faca de cortar pão e eu só tinha trinta reais; o ingresso custava vinte, dez reais dava pra eu pagar uma breja pro amor da minha vida lá dentro... pensei; dane-se o moleque!
- Dei um soco na cabeça dele! Ele me enfiou a faca de cortar pão na barriga e torceu. Eu tentei agarrá-lo pelo pescoço, mas ele estava esperto. Eu estava levemente embriagado e ele estava de nóia. Enfiou mais duas vezes a faca de cortar pão em mim, e torceu mais uma vez. Depois torceu pra que eu tivesse alguma coisa roubável.
- Eu permaneci imóvel, mas não por vontade própria. Minha vontade era de obrigar o pai dele a estuprá-lo com o braço decepado da mãe, e só então matar toda a sua família. Mas uma força estranha chamada dor, me imobilizava. Ele procurou nos meus bolsos, achou trinta reais e minha identidade. Como se achasse pouco, me levou os sapatos que custavam dezesseis reais! Novos! Eu já os tinha há dois anos, alguns meses, alguns dias, algumas horas e alguns segundos, mas ainda estavam novos! Lá se foram minhas economias de uma semana, e com elas, a minha vida. Devia ter tomado tudo em pinga! E com certeza, o grande amor da minha vida ainda me trairía no futuro ou me abandonaria logo na primeira cantada, beberia a cerveja que eu paguei com um zumbi de BMW.
- Saiu nos jornais. Você se lembra de mim agora, né? Servente de pedreiro com experiência de trinta e dois anos, morre assassinado por jovem drogado. Lembra? ah... você não lê jornal. Faz bem.
- Muitas mulheres se arrependeram de não terem me dado. Algumas se apaixonaram pelo meu cadáver. Nunca perceberam que eu era um homem de verdade, Muito diferente dos zumbis de BMW, que viviam de cabeça vazia acabando com o dinheiro infinito do pai. Eu não afinava, eu metia a cara, eu metia a barriga numa faca de cortar pão por causa de alguém que riria de mim se soubesse que eu só tinha trinta reais no bolso, e ainda tinha conseguido tudo isso, economizando uma semana trabalhando como servente de pedreiro. Precisei morrer para despertar algum desejo nas mulheres. Na verdade, devia ter dado o dinheiro ao moleque. Ele sim, sabia que quem tinha trinta reais era rico, e era mais fácil conseguí-lo roubando do que trabalhando de servente de pedreiro. Eu ainda estaria aqui, bebendo pinga.
- Mas de quê adianta tudo isso, já que os vermes já roeram meu pênis e nenhum homem vivo pode ouvir meus lamentos...

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