segunda-feira, 19 de outubro de 2009

ele (com 'e' minúsculo)

Encontrei a caneta sem tampa em cima da cama desarrumada. Depois de horas a fio procurando, finalmente. Eu que nunca fui muito católico, até apelei para São Longuinho. Por isso dei três pulos e três gritos exatamente assim:
- Achei, São Longuinho.
- Achei, São Longuinho.
- Achei, São Longuinho.

São longuinho fica grato quando ajuda alguém. Mas se esse alguém-não-importa-quem não der três pulos e três gritos em sua homenagem, ele se vinga não se sabe como. Eu simpatizava com ele. Tem santo que pede cigarro e pinga. Bão que sobra mais pra mim. Tem uns que pedem frango, cabeça de bode, recém-nascidos, virgens, essas coisas que não vendem na feira. Ele não pedia nada além de três pulos e três gritos avisando-o de que achara a tal coisa perdida.
Quando dei o terceiro grito por ter achado a caneta, percebi que perdi a cerveja. Me sentia meio idiota em dar três pulos e três gritos dizendo aquilo, por isso resolvi não apelar para São Longuinho toda vez que perdesse algo ou teria que ficar o dia todo pulando e gritando. Fui na raça. Revirei o quarto. O lixinho do banheiro entre as pinturas dos nossos cús em fezes frescas. Nosso cú assina cada obra com estilo. Tem cú que não tem estilo. Mas tem muito mais homens sem estilo do que cús. Mulheres não entram nessa contagem. Peguei meu caderninho sem capa. As páginas estavam grudadas de cerveja seca. Dei uma chacoalhada nas palavras e achei o isqueiro. Que bom! Estava com tanta vontade de achar a caneta que tinha esquecido de procurar o isqueiro e fumava um cigarro apagado. Então, mesmo eu que nunca fui muito católico, resolvi fazer uma empreitada com São Longuinho;
- São Longuinho! pausa para acender o cigarro.
- Se você me ajudar a encontrar a cerveja e nunca mais perder nada, dou mil pulos e mil gritos!
Soltei a fumaça do trago e não é que o santo funciona mesmo!? Olhei para minha mão esquerda e lá estava a cerveja. Nunca me senti mais idiota. Tinha que dar mil pulos e mil gritos. Facilitou o fato de não ter ninguém em casa, a não ser deus para me encabular. Depois do milésimo grito, me vi bebado, fumando filtro, com uma caneta sem tampa, meu caderninho brochura com páginas grudadas de cerveja seca, era muita informação. E eu nunca fui muito católico. Esqueci o que ia escrever.
- Seu Longuinho, se você me ajudar a lembrar o que ia escrever, eu dou três pulos e três gritos. Dessa vez não funcionou. São Longuinho ajuda a achar, para lembrar é outro santo. Eu não conhecia, aliás, nunca fui muito católico. E vai saber o que ele me pediria em troca...
Então fui na raça. Entrei dentro do fundo do avesso da minha mente lá pelas bandas do lado direito do cérebro que não sei bem para que serve e puf. Lembrei! Fiquei feliz em não ter que agradar nenhum santo e não queria mais mentir para mim. Então assumi que no fundo no fundo, eu era um católico-inrustido-não-praticante-exceto-na-hora-do-desespero.
Parágrafo, travessão, na outra linha.
- Porra, esqueci de dar o parágrafo.
- Agora sim; na outra linha, parágrafo, travessão;
- Contava os segundos até chegar a hora de estar com ele. Gostava dele porque eram raras as vezes em que nos víamos. Sem contar as vezes em que nos víamos sem nos ver. E as vezes em que não víamos ninguém a não ser nós mesmos. Agora que estou com ele, sei porque gosto tanto dele. A distância nos distanciou. Nota dez para essa grandeza física que desempenhou bem a sua função de distanciar. Passou no vestibular universal e quando completar três triênios infinitos, poderá receber sua aposentadoria de grandeza física, mas três anos luz antes de explodir.
- Gosto dele por que ele me deprime. Fico feliz quando o vejo que logo nas primeiras palavras trocadas me deprimo. Há o instante em que me equilibro na alegria de vê-lo com o que ele me causa. Aí é que é a falácia do gozo. Uma estrela nasce, outra morre. Não se pode medir o tamanho da duração desse instante. Devia parar de falar com ele. Não consigo. Aí, do tanto que ele me deprime, começo a me sentir mal. Mas nem tudo que é bom faz bem. Tem que saber campiá. Se campiá, acha até mais.
Estou deprimido. E ele já se foi. Me deprime e me inspira. Ou não teria escrito isso e apelado para São Longuinho e pular e gritar mais de não-sei-quantas-vezes uma frase sem sentido. Apesar de tudo nunca fui muito católico, exceto-na-hora-do-desespero.

5 comentários:

  1. estou com inveja!

    Desafinado

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  2. por essas e outras que vc é o supra-sumo dos meus escritores favoritos do underground...rs

    tava mesmo com saudade de te ouvir contar um causo cheio de detalhes...

    tinha mais a dizer, mas nem são longuinho me ajudaria a achar as palavras!

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  3. muito legal esse texto... ocê é um cara super criativo... tem uma imaginação FODA... tinha q seramigo da Diana.. kakakakakakakaka

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  4. Se você me encontrar
    Rodando pela casa
    Fumando filtro
    Roendo a mão
    É que eu não tô sonhando
    Eu tenho um plano
    Que eu não sei achar
    Ou eu tô ligado
    E o papel, e o papel
    E o papel pra acabar

    Cazuza.... rs

    Adorei
    Carol

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  5. estou liiiiiiiiiiiiiiiiiiiigaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaadooooooooooooooooooooooo naaaaaaaaaaaaaaaa suuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuua essssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssenciaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa interiorrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

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