terça-feira, 24 de novembro de 2009

O Último Trago

Sentei me no balcão do bar exatamente às seis e três, como era de costume. O Paraná já trouxe a cerveja mais barata e um conhaque presidente até o talo. Conhecia bem meu gosto, vendia fiado e lá se descolava o melhor fumo da cidade. Era o meu bar preferido a não ser por ter que se desviar dos viciados na porta para não ficar sem dinheiro, mas o balcão é o lugar quase mais seguro do bar. Acendi um cigarro e o Paraná não me repreendeu.
Ouvi pelas minhas costas uma voz rouca que parecia vir de um caminhoneiro varado três noites pensando na mulher sozinha em casa:
_ Odeio caras cabeludos e barbudos!
Dei um trago no conhaque, na cerveja e depois no cigarro e me comportei feito um careca de barba feita.
Ouvi a voz de um segundo homem que parecia um músico de jazz mas com bafo de mendigo dizendo:
_ Vamos bater nele então!

Matei o conhaque, a cerveja e dei o último trago pensando na minha última frase antes de morrer. A última frase de um homem diz muito sobre sua personalidade em vida. Eu tinha formulado inúmeras últimas frases para dizer antes de morrer sendo assassinado por todos os grupos possíveis.

Prestes a ser assassinado por carecas;
- Nos Brasil somos todos mestiços, os verdadeiros nazistas empilhariam vocês como garrafas de coca-cola!

Por um grupo de católicos fervorosos;
- Esse é o pensamento cristão? Eu sou barbudo, cabeludo, mas não faço milagres!

Por um grupo de travestis;
- Tantas outras coisas que poderíamos estar fazendo...

Por um grupo de políticos de baionetas;
- Espera, vamos fazer um acordo...

Por um grupo de Judeus furiosos;
- Olha! Eu tive fimose!

Por meus pais;
- Até vocês, Brutos!

Pela tribo do cabelo sujo;
- Nunca saberão o segredo do xampu!

Tinha pensado em muitos grupos, mas me esquecera o dos caminhoneiros roucos loucos de rebite. Senti seus passos se aproximando e peguei a garrafa sem pensar em última frase, mas em última defesa... Mas para minha boa surpresa era um amigo de infância que virara caminhoneiro. Ele era o único dos meus amigos de infância que não estava preso ou morto. Me abraçou esfregando o sobaco na minha barba. Sorriu e sentou-se ao meu lado. Pergunto-lhe como vai a sua vida e ele chora e desabafa:

- Depois de dez meses separado da mulher, fui até a casa dela e me desculpei. Por tudo. Eu sei que eu fui foda.
Meteu as mãos na algibeira, arrancou pedaços de papéis amassados e começou a ler muito mal o que ele denominava poesia. Não entendi quase nada. Quando ele terminou os oito papéis, ficou esperando que eu dissesse algo.
Não consegui pensar em muita coisa, mas sabia que se tratava de dor de corno, e disse:

- O amor é uma palavra de quatro letras. Bebida não combina com amor. Ou você bebe, ou você ama. É por isso que eu bebo. Escolhe; vai querer morrer de cirrose ou vai querer morrer careta com uma mulher gorda, velha e chata?

Ele guardou os papéis amassados nos bolsos e pensou um instante. Me pediu um cigarro, eu dei a guimba que só tinha um trago. Ele o deu e nunca mais nos vimos.

4 comentários:

  1. eu bebo e amo... acho q me perdi por ai!

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  2. Ufa... ate que enfim vc voltou.

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  3. Complicado! mas não conseguimos viver sem questão complicada,não é?

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  4. interessante, mas o q eh o amor se naum um se afogar na bebida

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