O Sindicato do Diabo ou A Sétima Sinfonia Perfeita

l - A Sinfonia Perfeita

Ele olha para gigantescas pautas no céu cujas notas eram marcadas por explêndidos e extraordinários pássaros. Exuberantes em suas semicolcheias. Coça a longa barba branca com a ponta do cetro. O pássaro vermelho pousa na quinta linha. Ele não demonstra muita emoção e senta-se em uma nuvem acendendo o santo cachimbo com jeito de quem terminara algo impossível, mas para Ele nada era impossível. A fumaça densa se mistura às nuvens.
Convoca a Orquestra Sagrada para uma reunião no Teatro Celestial. Eram homens alados com corpos perfeitos, mesmo o tocador de tuba que costumava ser barrigudo nas pracinhas dos coretos. Arpas, alaúdes, violinos, flautas, clarinetes, fagotes, tímpanos, bumbos gigantescos e instrumentos nunca vistos por reles mortais.

Ele se aproxima em sua nuvem no centro dos musicos e diz:

- Está terminada a Sétima Sinfonia Perfeita.

O queixo de todos da orquestra caem ao mesmo tempo seguido de um ohh de cinco segundos em unissono numa perfeita afinação. Apenas Atrael o anjo mudo usou seu violinho para expressar o seu ohh.

Todos se calaram e o anjo mudo arranhou no violino:

- Aquela, Senhor? Aquela que o Senhor começou a três trilênios? A perfeita? A única?

Um raio fulmina neste instante o anjo mudo e seu violino torna-se mudo também.


Atrás de uma nuvenzinha cinza, um anjo alado que só se diferenciava dos músicos por não portar um instrumento e usar chapéu de palha (seu disfarce), fez cara de espanto e caiu de costas até os portões do inferno.

Adentrou correndo de alguns demônios zombeteiros que sempre o estupravam quando retornava de alguma missão. Não conseguiu escapar e depois do estupro foi ter com o Soberano dos Infernos.

- Senhor - disse o anjo estranho arrancando o chapéu de palha e mostrando seus pequeninos chifres. - Ele terminou!

O lago de lava transbordou e levou algumas criaturas que penavam no pátio.

O Diabo se levanta e finca o Garfo no chão. Coça a barbixa deixando escapar uma leve névoa quente.

- Onde está a partitura?

- Não sei, Senhor.

- Pois então volte pra lá e descubra, seu pobre demônio!

O Diabo cotuca o pequeno demônio que pega seu chapéu e parte em disparada. Os demônios zombeteiros correm atrás dele fazendo tchauzinho.


O pobre demônio se esguia entre nuvens e chega bem na hora da distribuição das partituras. Todas vão sendo lentamente entregues aos seus respectivos tocadores e nenhum deles consegue esconder a cara de espanto ao ver que tal música era possível. Sobrou a do tocador de pife. Foi quando ele percebeu que não havia ainda um tocador de pife na Orquestra Sagrada. Tratou logo de encomendar o melhor tocador de pife que ainda estava encarnado. Deu a missão ao anjo da morte.


ll - O julgamento de Severino

Severino Antonio da Silva, cearence, trinta seis anos, tocador de pife desempregado. Vendendo o almoço para pagar a janta. Morando embaixo do viaduto do chá, acordou se sentindo meio estranho, não que ele não se sentisse estranho o tempo todo, mas se sentia estranho até para o modo como se sentia estranho habitualmente. Correu para o banheiro na segunda moita à direita achando ser uma simples dor de barriga, mas acabou sendo levado pelo anjo da morte. Enfim conseguira emprego, mas perdera a vida.
O pobre demonio já havia avisado o Diabo sobre Deus ter que desencarnar às pressas Severino por não haver nenhum tocador de pife no céu. O julgamento de Severino seria bem disputado.
Todos os anjos eufóricos esperando a chegada de Severino e seu pife. Deus permanecera sentado em seu trono segurando seu cetro e coçando a barba felpuda. Até o Diabo que sempre chega deselegantemente atrasado nesses julgamentos estava lá antes de Deus. Os portões se abrem e Severino entra tímido como se tivesse acabado de chegar na praça da Sé pela primeira vez.

Deus: Entre Severino. Homem sofrido do Sertão do Ceará. Foi tentar a vida em São Paulo com seu Pife. Nunca teve seu talento reconhecido por ser o Pife uma coisa não tão popular em São Paulo. Passou fome quase todos os dias da vida. Nunca matou, nunca roubou. Acho que você é bem vindo no céu.

Diabo: Êpa! Não tão rápido. Tenho uma lista aqui de coisas que ele fez que o torna cidadão eterno do inferno!

O Diabo abre um livro poeirento e mete o dedo num parágrafo.

Diabo: Dos pecados capitais, só não cometeu o primeiro e o segundo. O sétimo cometeu mais de sete vezes. Mais do que os dias que Deus usou para criar o mundo.


Deus: Ora. Naquela situação de músico desempregado, naquele sol, sem comida, só podia dar nisso!

Diabo: Foi o Senhor quem o pôs naquelas condições, lembra? Agora faz questão dele por quê?


Deus gaguejou e disse que tinha uma quedinha pelos nordestinos e por isso os fazia sofrer tanto com a certeza de que iriam direto para o céu. E além disso, o Ceará é no Brasil e Deus é brasileiro.

Severino: Seu Deus, seu Capeta. Ocêis resorve aí. Pro Ceará eu num vorto!

É, meus amigos. Até no céu há corrupção. A virgem maria era a juiza, então deu a causa a Deus.


lll - Severino Assume seu Novo Emprego

Deus: Severino. Gastei muito dos meus superpoderes para poder te trazer aqui e tocar com a maior orquestra de todos os tempos. Você deve me amar e respeitar e ser grato e nunca me traíres, principalmente para o Cramulhão.

Severino: Tá bão seu Deus, mas cadê minhas asas?

Deus: Tivemos que fazer concessões para que você não fosse para o inferno.

Severino: Tá bão seu Deus, mas cadê minha pexera?

Deus: Aqui você não precisará dela.

Severino: Oxch! Sem asa tudo bem, mai sem pexera?!

Deus: Você quer servir de mulherzinha para os demônios zombeteiros e queimar eternamente num rio de lava? quer?! Cadê sua gratidão, seu cabeça chata!?


Severino pensou que não devia irritar seu patrão no primeiro dia de trabalho, se calou e fez o sinal da cruz três vezes bem rápido para mostrar que tinha prática.


lll - O Primeiro Ensaio

A Orquestra Sagrada estava agora completa. Cada um ao seu instrumento, posicionados na hieraquia dos anjos. De acordo com essa ordem, Severino sem asas e seu Pife estavam escondidos atrás de uma nuvem. Severino tosse porque a nuvem entra em seu nariz.
Os tambores gigantes começam soar feito raios e trovões... fagotes se apresentam timidamente... violinos começam a gemer como se o anjo não soubesse tocar, mas só assim poderia existir o próximo acorde... Severino limpa a nuvem na frente da partitura para fazer a primeira nota do pife quando o anjo da terceira trombeta errou e foi fulminado por um raio. O da quarta trombeta vôou contente até o posto de terceiro trombetista. Fora uma sequência de erros que todos os anjos agora eram já insubstituíveis. Severino timidamente que fora o único que não errara, razão pela qual ainda estava ali, referiu se à Deus já com as mãos protegendo a cabeça:
- Senhor. Cuidado. Vão acabar os anjos.

Deus: Cale-se! Temos muitos músicos encarnados que posso trazê-los para cá agora. Ninguém é insubstituível aqui! Não admito erros! É a minha criação mais importante. Era o que faltava para que eu conquistasse todos os universos do Universo!


O pobre demonio caiu novamente aos portões do inferno trazendo boas novas. Após ser extuprado, contou tudo ao capeta. Este pensou e soltou fumaça pelo nariz.

Diabo: Sabe quanto ele paga ao Severino?
Pobre demônio: Nada. Severino não ganhou nem asas. Mas o que mais sente falta é a pexera.

O diabo gragalhou e arquitetou o seu plano.


lV - O Sindicato do Diabo

O Diabo vestiu a roupa de cordeiro (no caso, se fantasiou com roupa de sindicalista) e foi tentar Severino a abandonar a Orquestra Sagrada. Severino estava testando a consistência da nuvem onde pisava com medo dela não aguentar o peso e ele cair de novo no ceará. O diabo se aproxima com uma prancheta.

Diabo: Sr. Severino tocador de pife?

Severino nunca havia sido chamado de senhor na vida, então deu atenção ao homem de bom grado.

Diabo: Sou presidente do sindicato dos músicos no céu, cuido dos interesses dos mesmos. Vou ser franco. O senhor está satisfeito?

Severino: Bão, aqui já é mió que no Ceará.

Diabo: Onde estão suas asas?

Severino: Asas? Não tenho. Faiz parte das concessão, sei lá que é isso...

Diabo: Quer dizer que um exímio tocador de pife como o senhor não tem asas? Aposto que não te deram uma pexera!?

Severino não disse nada porque não sabia se exímio era uma ofensa ou um elogio.

Diabo: Tenho uma oferta de emprego melhor. Venha trabalhar na Orquestra Profana. Lá cada musico tem direito a duas asas, uma pexera e mocotó até vomitar.

Severino nunca tivera mais de uma oferta de emprego mas desconfiou;

Severino: Essa tal osquerta Pronanfa aí não fica no Ceará não, né?

Diabo: Não, fica no underground.

Sendo assim, Severino leva seu pife e ainda rouba todas as partituras da Sétima para as profundezas dos quintos dos infernos.


V - O Último Onisciente A Saber Sobre o Plágio do Diabo

Quando Deus descobriu, era tarde. A Sétima tinha sido apresentada antes no inferno. Deus irado manda o anjo da destruição transformar Severino numa moringa. E convoca todos os outros anjos para segurarem-no. O céu virou um caos. Deus cortou a barba, tirou a sobrancelha e se masturbou com o cetro na frente da Virgem Maria.


Enquanto isso, no inferno...

Diabo: Belo! Severino! Belo! Obrigado.

Severino: Tá bão, seu Capeta, tenho minha asa, minha pexera, mas cadê meu mocotó até vomitá?!

Diabo: Severino, Severino... tenho duas opções pra você. Vejo que tens talento. Então nem vou perguntar se quer voltar pro Ceará. Aceite este presente.

O Diabo arranca do bolso um carvãozinho, uma caixinha de fósforos e diz:

- Vai fazer seu próprio inferno. Eu comecei assim e agora, olha o tamanho do inferno no qual eu peno!?

Severino segue sua trilha rumo ao nada, se lembrou dos tempos em que estava indo pra Sun Paulo e pensou:

- Pelo menos agora tenho asa. E ainda tenho pexera.


Neste instante, suas asas e sua pexera viram fumaça e ele ouve um sonoro:

- Iahahahahahahahahahahahahaha...